Amanhã, ocorre o 50.º aniversário da morte de João de Barros, pedagogo republicano, poeta e pioneiro da aproximação luso-brasileira.
Nascido na Figueira da Foz em 1881, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Cedo enveredou pela carreira docente, sendo professor de Português e Francês em vários liceus: Coimbra, Porto e Lisboa.
Distinguiu-se, sobretudo, como pedagogo associado ao movimento da Escola Nova e às reformas republicanas da Educação.
Afastado da vida política pela Ditadura, instituída na sequência do golpe militar de 1926, e pelo Estado Novo, ardilmente edificado por Oliveira Salazar, manteve-se, no entanto, toda a vida fiel aos princípios republicanos e democráticos.
Participou em várias manifestações da Oposição. Em 1945, aderiu ao Movimento de Unidade Democrática. Apoiou as candidaturas à Presidência da República de Norton de Matos e Humberto Delgado. A partir de 1952, no Diário de Lisboa, tanto quanto lhe foi permitido pela Censura, continuou a sua doutrinação pedagógica em prol da educação como factor de progresso social e civilizacional.
Morreu em Lisboa a 25 de Outubro de 1960. O Diário de Notícias da Madeira noticiou o seu falecimento na primeira página, apresentando breve resenha da sua vida e obra e exaltando a sua qualidade de «grande democrata».
Um homem novo
Em 1907, como bolseiro, João de Barros, acompanhado por João de Deus Ramos, empreendeu, durante quase um ano, uma viagem de estudo com fins pedagógicos a Espanha, França, Inglaterra e Bélgica. A visita a reputados estabelecimentos de diversos graus de ensino permitiu-lhe conhecer experiências pedagógicas inovadoras. De salientar a sua presença na Institución Libre de Enseñanza, onde leccionava Alice Pestana (1860-1929), de ascendência madeirense, com quem manteve relações de amizade.
Do relatório desta missão nasceu o livro A Escola e o Futuro: notas sobre Educação, publicado em 1908. Nesta obra, deu conta das impressões e ensinamentos da viagem pedagógica que realizou. Igualmente, desenvolveu a ideia de futuro, com novos homens, novos cidadãos: uma humanidade mais perfeita, «capaz de viver no futuro, sem o peso dos nossos preconceitos, dos nossos sentimentos, das nossas ideias».
O educador, por conseguinte, não deveria «dar ao Futuro almas do passado, almas como as nossas, vivendo do que já viveu, tremendo do que já não existe: – mas energias livres, indomadas, virgens – e aptas a tornar mais belas, e mais intensas e mais complexas as ideias, as lutas, as ambições desse Futuro, que há-de ser o seu presente.»
João de Barros preconizava uma educação integral – uma educação nova – que possibilitasse o desenvolvimento harmonioso de todas as faculdades e todas as energias da criança.
Condenava o jesuitismo, que ainda dominava o ensino, originando meninos prodígios que depois se transformavam em «homens sem inteligência, sem iniciativa, sem amor ao estudo e ao trabalho».
Defendia, portanto, a escola laica com uma educação capaz de criar um homem novo, com bom desenvolvimento físico e moral (moral laica), com competências para o exercício da cidadania, orientada pelos princípios republicanos da Liberdade, Igualdade e Solidariedade.
Para João de Barros, o homem novo era o cidadão republicano que havia beneficiado da educação integral: um cidadão trabalhador, feliz, patriota, de carácter progressista, bom, solidário, altruísta, ou seja, dotado de um conjunto de elevadas virtudes, que a utopia do seu ideário pedagógico comportava.
Em 1909, publicou o folheto João de Deus, o único educador nacional que apresentara como comunicação no II Congresso Pedagógico, promovido pela Liga Nacional de Instrução em Abril desse ano. Neste estudo, sustentava que a Cartilha Maternal constituía uma base para a remodelação geral do sistema de ensino, acentuando a forte relação entre o professor e o método: «se não há bons métodos sem bons professores, não há também bons professores sem métodos bons».
Estes dois trabalhos colocaram João de Barros «no âmago da batalha republicana pela escola», segundo a feliz expressão do saudoso Professor Rogério Fernandes (1933-2010).
João de Barros e a República
Dez dias depois da implantação da República em Portugal, João de Barros foi chamado a integrar uma comissão que haveria de elaborar o Regulamento para a instrução militar preparatória. Esta seria uma das várias missões, no domínio da Educação, que desempenhou em diferentes governos da I República, desde chefe de repartição, a secretário-geral ou director-geral do Ministério da Instrução Pública.
Contudo, o seu nome e o de João de Deus Ramos ficaram, sobretudo, ligados à Reforma da Instrução Primária de 29 de Março de 1911, arquitectada de forma ideal, mas longe de ser cumprida.
No Preâmbulo deste diploma, pode ler-se:
Educar uma sociedade é fazê-la progredir, torná-la um conjunto harmónico e conjugado das forças individuais, por seu turno desenvolvidas em toda a plenitude. E só se pode fazer progredir e desenvolver uma sociedade fazendo com que a acção contínua, incessante e persistente da educação, atinja o ser humano sob o tríplice aspecto: físico, intelectual e moral.
Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias e, por mais alto que se afirme a sua consciência colectiva, Portugal só pode ser forte e altivo no dia em que, por todos os pontos do seu território, pulule uma colmeia humana, laboriosa e pacífica, no equilíbrio conjugado da força dos seus músculos, da seiva do seu cérebro e dos preceitos da sua moral.
Apesar de João de Barros e João de Deus Ramos terem acusado o ministro António José de Almeida de publicar no Diário do Governo um decreto diferente da sua proposta, e que havia sido já discutida e aceite, verdade é que, na sua essência, este preâmbulo tal como as disposições legais revelam o pensamento dos seus autores, no que diz respeito à instrução primária.
O Decreto de Março de 1911 regulava ainda os ensinos infantil e normal. Para o ensino primário, foram definidos três escalões, sendo o elementar, com a duração de três anos e sujeito a exame final, obrigatório e gratuito para ambos os sexos, o que constitui uma medida notável na implementação da instrução pública no nosso país.
Na bibliografia do nosso autor, é de salientar A Nacionalização do Ensino (1911), A República e a Escola (1914), Educação Republicana (1916) e Educação e Democracia (1916), obras fundamentais para a compreensão da pedagogia democrática e republicana. Mas igualmente, há que ter em conta a sua colaboração na revista A Escola Nova, da qual foi redactor, e Atlântida, que fundou com João do Rio (Paulo Barreto), bem como a sua ligação ao movimento Renascença Portuguesa (jornal Vida Portuguesa e revista A Águia) e ao grupo da Seara Nova.
De acordo com João de Barros, a República tomou a educação e a instrução como «duas bandeiras de batalha», porque tinha consciência de que «sem instruir as novas gerações, dentro dum critério republicano, que seja ao mesmo tempo um critério pedagógico, ninguém poderá garantir o futuro da República e da Pátria.»
Para as crianças e o povo
Finalmente, e no âmbito das suas preocupações pedagógicas, em especial a promoção da leitura e o combate ao analfabetismo, é justo mencionar o empenho de João de Barros na divulgação de obras clássicas, em adaptações para a infância, a juventude e o povo, como Os Lusíadas, A Odisseia, A Ilíada e A Eneida, com sucessivas edições desde a década de 1930 até à actualidade. Com idênticas preocupações, publicou também uma adaptação livre das Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift.
Diário de Notícias, Revista Mais,
Funchal, 24-30 de Outubro de 2010, pp. 20-21
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