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Archive for Março, 2008

O Mestre

 

Aquele que, pelo seu saber e pela sua arte, colhe reconhecimento e admiração no meio académico e científico, principalmente junto dos seus alunos, não é só professor, mas também Mestre.

 

Vale a pena falar do Mestre, mesmo quando a classe docente é alvo frequente de ofensas de um Ministério que, autoritariamente, pretende reformar a Escola, com a convicção bizarra de que os professores não contam para as suas engenhosas políticas, traçadas com a mira acertada nas estatísticas que nos envergonham, em vez de apontar, de forma sensata, para a qualidade do nosso sistema de ensino.

 

O insucesso do ensino público não pode ser encoberto. Incrivelmente, consegue-se ingressar numa universidade portuguesa sem competências essenciais do ensino secundário e até do básico. Para muitos, o nível dos seus cursos será, irremediavelmente, bastante baixo, mesmo que as respectivas classificações não o denunciem.

 

Quem estudou, passados alguns anos, já com a devida distância histórica, consegue distinguir os professores que, por uma ou outra razão, marcaram positivamente.

 

Poucos professores alcançarão o estatuto de mestre. Alguns auto-proclamam-se reputados especialistas e colocam-se em bicos de pés nos corredores académicos, mas dificilmente chegam lá.

 

Tive a sorte de ter bons professores e alguns verdadeiros mestres. Apenas por justo reconhecimento, gostaria de mencionar, por ordem cronológica, ao longo do meu percurso escolar, os mestres que mais me marcaram pelo seu saber e pelas suas qualidades pedagógicas, agradecendo, porém, a todos os que contribuíram para a minha formação:

 

A Dr.ª Margarida Morna, excelente professora de Português do Liceu Nacional do Funchal, que promovia a leitura e incentivava a escrita, que trazia para as aulas livros adequados à idade dos seus alunos, despertando curiosidade e interesse, e não seguia rigorosamente o manual oficial, isto nos meados dos anos sessenta do século passado.

 

A Dr.ª Luísa Clode, minha professora no Liceu Nacional do Funchal e na Escola do Magistério Primário da mesma cidade, pela forma como, a um inábil para o desenho ou a pintura, soube ensinar a observar e a se interessar pelo Património Cultural e, em particular, pelo carinho especial com que, um dia, me acolheu na sua aula, depois de eu ter sido violentamente esbofeteado, sem qualquer razão, por um desgraçado “professor” de Português do meu 2.º ano liceal.

 

A Dr.ª Ângela de Matos, notável professora de Geografia no Liceu Nacional do Funchal, que, com um sorriso invulgar, mantinha a disciplina e motivava a aprendizagem.

 

Os Professores Luís Filipe Thomaz e João Medina, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O primeiro, professor de História da Expansão Portuguesa, o segundo de História Contemporânea de Portugal, dois verdadeiros mestres e amigos, com aulas extremamente ricas e interessantes, sempre temperadas com fino humor.

 

O Prof. Doutor Artur Teodoro de Matos, orientador da minha tese de doutoramento, não só pelos seus profundos conhecimentos em História, valorizados por uma continuada investigação de inquestionável reconhecimento internacional, mas também pela rectidão e pelo gosto com que sempre demonstrou trabalhar com os mais novos, incluindo-os, sem qualquer distinção, nas muitas iniciativas a que presidiu, e ainda continua a desenvolver. Com particular alegria e contida emoção, participei, no final de Novembro do ano passado, no lançamento de uma publicação colectiva em sua homenagem, na Universidade Nova de Lisboa, perante um auditório completamente cheio de familiares, amigos e antigos alunos. Só um verdadeiro Mestre conseguiria tão grande e sincera homenagem, depois de aposentado há já alguns anos.

 

Finalmente, lembraria um grande Mestre da Faculdade de Letras, o historiador Jorge Borges de Macedo, que assumiu “o primado do científico como principal estruturante da convivência universitária, subalternizando, relativizando ou mesmo superando eventuais dessintonias ou desajustamentos idiossincrásicos.” (Tengarrinha, J. M., 2007. Jorge Borges de Macedo, o desafio permanente do pensamento. Revista Negócios Estrangeiros, n.º 11.3, Lisboa, p. 85).

 

Diário de Notícias, Funchal, 2 de Março de 2008

 

 

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