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Archive for Janeiro, 2018

Fora de prazo

De braços no ar e em alta voz, ele gritava furioso: «Tu estás morto, e bem morto, e ainda não sabes!». Quem por ali passava e não podia deixar de ouvir, ficou sem saber o contexto irado em que se gerou o insulto.

Mas trata-se, sem dúvida, de ofensa grave. Caminha alguém pela cidade, aparentando boa saúde e, por motivo que se ignora, cai-lhe em cima aquela pesada afronta.

Como, por prudência, vergonha, medo ou elevação moral, o cidadão enxovalhado não reagiu, o que poderia originar briga séria reduziu-se a exaltação momentânea, manifestada através de uns berros na via pública.

Há frases, involuntariamente registadas no quotidiano, que, no nosso íntimo, se juntam a outras vozes, em diálogos estranhos e irregulares, crescendo em espiral até se derramarem num escrito formalmente aceite e desejado.

E, nesse emaranhado de ruídos, o impropério assume a racionalidade de se aplicar a alguém, que não consegue acompanhar o tempo, falando e escrevendo com a linguagem de outrora, quando espalhava ódios, ameaças e armadilhas para levantar ondas de medos entorpecentes.

Tantos anos se passaram, e o veneno não lhe sai da boca, agora ressequida e trémula, denegrindo velhos amigos e pretensos inimigos, a uns ofendendo, a outros aplicando, com experiência de mestre, rótulos falsos e ridículos, que a sua mente perversa sonha para disseminar pela manhã ou pela calada da noite, criando fantasmas e papões, atingindo tudo o que se lhe opõe, com mal contido receio da História não lhe vir a reservar a cadeira, para a qual andou sempre encomendando boa madeira e forte grude.

O veneno não surpreende. Foi sempre assim. O mesmo de anos, apesar de agora proceder de laboratório anacrónico, com prazo há muito expirado.

Já os leitos, que acolhem o veneno, dão que pensar. São do género «quanto mais me bates, mais gosto de ti», de triste reputação. Porta aberta que, sem pudor ou memória, dá guarida a arengadas bafientas.

É tempo de espantar a tralha e arrumar a casa sem a mobília do «defunto», que se entretém a despejar peçonha, a repetir velhas e gastas tácticas e a distribuir papéis aos peões, para se vangloriar que continua a andar por aí.

 

Funchal Notícias. 31 Janeiro 2018

Fora de Prazo

 

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Separar as águas

Agora, tudo ficou mais claro. O actual presidente da Câmara Municipal do Funchal está disponível para encabeçar a lista do PS às próximas legislativas regionais, perfilando-se como candidato a presidente do Governo Regional da Madeira.

Há muito que se desconfiava desta sua intenção. Eu próprio, num artigo aqui publicado em 26 de Julho de 2017, a propósito de uma sondagem sobre as eleições para a Câmara do Funchal, escrevi que Paulo Cafôfo deveria elucidar os funchalenses se tencionava ou não cumprir integralmente o mandato para o qual se recandidatava. Então, a resposta parecia ser sim, e os eleitores confiaram-lhe o voto para presidir à Câmara durante um mandato.

Contudo, perante calculada e cortejada oportunidade política, traçada pelas imperiosas eleições no PS, logo o compromisso com os funchalenses foi posto de lado, porque a maioria dos militantes socialistas acredita que, com Paulo Cafôfo, há a possibilidade de conquistar o poder regional, aspiração, na verdade, também acalentada por muitos cidadãos não filiados naquele partido.

Não se discute a ambição de um cidadão, nem tão-pouco o não cumprimento integral do mandato para o qual mereceu o voto da maioria dos eleitores, facto que não é inédito. As circunstâncias ditam as oportunidades e a política, tantas vezes, foge aos desígnios da coerência da palavra dada, em nome de outros valores, mais ou menos generosos.

No entanto, há questões que merecem ser analisadas. Paulo Cafôfo foi eleito para a CMF através de uma coligação de diferentes forças partidárias, perante as quais tinha também o compromisso de assumir a presidência durante um mandato. A sua nova postura obriga as forças da coligação autárquica para o Funchal a repensarem a sua participação no projecto «Confiança», dado que o pressuposto fundamental da mesma – servir o município durante quatro anos – deixou de existir.

Quem quiser sobreviver politicamente, terá de assumir uma posição neste novo, mas previsto cenário. Ou continuará vinculado à coligação, que ficou sem cabeça, na expectativa de eventual coligação para as regionais, onde obterá migalhas, ou lutará pelos interesses dos munícipes do Funchal, marcando a sua identidade, mas sem os impedimentos que, com frequência, as lógicas dos acordos eleitorais impõem.

Por outro lado, não deixa de ser importante analisar até que ponto não há uma sobreavaliação, por parte do PS-M, no seu posicionamento para as regionais. O efeito das políticas do governo de António Costa é favorável, mas o confronto Lisboa-RAM trará ao de cima o debate autonomista e as tentativas de interferência do Centro no poder regional, pelo que se impõe, aos novos protagonistas, profundo conhecimento das questões mais contundentes e adequada competência técnica.

A onda, que envolveu um candidato independente, apoiado por diversas forças políticas, para um segundo mandato autárquico no Funchal, poderá não se repetir para a Assembleia Legislativa da Madeira, porque se mostra bem diversa a dinâmica do próximo acto eleitoral.

Até lá, há muita pedra para partir…, embora se sinta, junto do eleitorado, significativa vontade de mudança. Ganhará quem mostrar saber interpretar e corresponder a essa vontade.

Funchal Notícias. 21 Janeiro 2018

Separar as águas

 

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O Governo da Madeira, em 4 do corrente, deliberou mandatar a vice-presidência para conduzir o processo do Forte de São João Baptista, em Machico, tendo em vista uma política de preservação e rendibilização do Património Cultural, cuja propriedade pertence a esta Região Autónoma.

Trata-se de mais um passo para solucionar um velho problema, que mancha a paisagem da baía de Machico. Esperamos que, finalmente, seja reabilitado aquele edifício e outra imagem envolva o lugar onde os portugueses desembarcaram pela primeira vez, para darem início ao povoamento da ilha da Madeira.

O Forte de São João Baptista é um edifício classificado do património cultural madeirense pelo Decreto 32 973, de 18 de Agosto de 1943.

Ao contrário de outras localidades, Machico conservou, até aos dias de hoje, duas importantes fortificações construídas no início do século XVIII. De facto, os fortes de São João Baptista e o de Nossa Senhora do Amparo sobreviveram à torrente destruidora das construções militares na ilha. Somente não chegou até nós o Reduto de São Roque, do qual temos algumas notícias desde a segunda metade de Seiscentos.

O Forte de São João Baptista foi mandado edificar pelo governador Duarte Sodré Pereira no ano de 1708, conforme se pode ler na lápide que encima a porta de armas. Contudo, já em 1695 existia o Reduto do Embarcadouro, onde, nesse ano, Manuel Ferreira Maciel iniciou as funções de condestável.

Em 1817, segundo a Descrição de Paulo Dias de Almeida, a artilharia do Forte do Desembarcadouro ou de São João Baptista encontrava-se «toda no chão». Igualmente, a do Forte de Nossa Senhora do Amparo achava-se em mau estado. Não obstante, em 22 de Agosto de 1828, quando a armada miguelista tentou desembarcar em Machico, ou simulou tal, os três fortes da vila abriram fogo sobre os navios que entraram na baía.

O engenheiro António de Azevedo registou, no ano de 1863, que este Forte estava bastante arruinado e abandonado. Depois do ataque miguelista, a sua utilidade militar revelou-se, na verdade, praticamente nula.

No entanto, novas funções caberão ainda ao velho Forte. Assim serviu de hospital, durante a epidemia de cólera dos finais da primeira década do século XX. Mais tarde, abrigou diversas colónias de férias nos meses de Verão, organizadas pelas irmãs da Congregação das Franciscanas Missionárias de Maria, do Convento de Santa Clara do Funchal. A fim de se constituir como Colónia Balnear Infantil, a Junta Geral do Distrito procedeu a várias obras de adaptação, inclusive a construção de um dormitório e de uma capela, desenhada pelo escultor João Tomás Figueira da Silva (1920-2011).

Depois do 25 de Abril, o Centro de Informação Popular de Machico fundou ali um Jardim de Infância, o qual foi encerrado em Janeiro de 1976 pelo brigadeiro Carlos de Azeredo. Refira-se que, em Setembro de 1975, o Forte foi ocupado por refugiados das antigas colónias portuguesas em África. Aqui habitaram diversas famílias, em condições pouco dignas, até ao início deste século.

O realojamento das famílias, que viviam no Forte, abriu caminho à recuperação deste edifício classificado do Património Cultural da Região Autónoma da Madeira

Na verdade, em 2002 o Governo Regional aprovou um programa de recuperação, que previa espaços museológicos e de restauração. Contudo, não foi concretizado.

Em 2005, surgiu um novo projecto, com a assinatura do arquitecto Victor Mestre, para uma unidade hoteleira com quarenta quartos, que seria executado pela empresa Mare Nostrum. O prazo de concessão do Forte de São João Baptista, de acordo com o que foi divulgado por ocasião da assinatura do respectivo contrato com o Governo Regional, era de trinta anos. Mas o projecto não foi concluído, ainda que, em 2008, tivesse sido abordado o processo de transferência da concessão da obra de recuperação e de exploração hoteleira para outra empresa. A construção de uma ETAR na área de protecção do monumento classificado foi, por certo, um óbice ao prosseguimento do investimento no Forte. A crise financeira justificou o seu fim e o abandono nos últimos anos.

Não se sabe ainda como será o novo projecto de recuperação do Forte de São João Baptista, mas impõe-se atenção especial a este edifício classificado do Património Cultural da Região Autónoma da Madeira, bem como à sua área de protecção.

A cidade de Machico carece deste espaço para o seu desenvolvimento e progresso. A memória do lugar também exige a preservação da sua História. A reabilitação do forte setecentista seria forma condigna de assinalar os 600 anos do início do povoamento da Madeira, porquanto foi ali que os portugueses desembarcaram, pela primeira vez, nos finais da segunda década do século XV.

 

Funchal Notícias. 17 Janeiro 2018

O Forte de S. João Baptista em Machico

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