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Archive for Março, 2007

Foi publicado, no passado dia 22 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 43/2007 que define as condições necessárias para obtenção de habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. Segundo Valter Lemos, secretário de Estado da Educação, o documento esteve em discussão dois ou três meses. Contudo, a FENPROF afirmou que o mesmo não foi negociado com as organizações sindicais.

 

No preâmbulo do diploma, refere-se que o anteprojecto foi objecto de consulta pública. Todavia, muitos interessados no assunto somente dele tomaram conhecimento por portas travessas, nas vésperas da sua aprovação em Conselho de Ministros, pelos finais de Dezembro do ano transacto.

 

A matéria, em causa, é de grande importância, e a aplicação deste diploma legal terá, em particular, implicações profundas na formação profissional de professores, bem como no sistema educativo, em geral.

 

É certo que as mudanças operadas na sociedade portuguesa e as alterações no ensino superior, no contexto do Processo de Bolonha, impunham nova legislação no domínio da habilitação para a docência.

 

O novo decreto põe fim à denominada habilitação própria, que permitia a muitos diplomados do ensino superior ingressarem na actividade docente e, depois, obterem a profissionalização. A partir de agora, passa a existir uma habilitação profissional correspondente ao grau de mestre.

 

No que diz respeito às Ciências da Educação, o Decreto-Lei n.º 43/2007 retira-lhes a importância que até agora detinham na formação de professores, em benefício da formação na área de docência.

 

Ninguém põe em causa que é fundamental, para o professor, o domínio do conteúdo científico, humanístico, tecnológico ou artístico das disciplinas da área curricular de docência. No entanto, a formação pedagógica revela-se também imprescindível na qualificação profissional.

 

Já Piaget afirmou em 1949: “Mas, mesmo sendo-se educador até ao mais íntimo de si próprio, é preciso conhecer não apenas os ramos que se ensinam, mas a própria criança, a que se destinam, ou o adolescente: em suma, o aluno enquanto ser vivo, que reage, se transforma e se desenvolve mentalmente, segundo leis tão complexas como as do seu organismo físico.”

 

Além de patentear a recusa de soluções inovadoras e alterar matérias da Lei de Bases do Sistema Educativo, que são da competência exclusiva da Assembleia da República, o presente decreto-lei introduz algumas “novidades” que merecem reflexão, como, por exemplo, as seguintes:

 

1. No 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário, a História e a Geografia aparecem associadas, isto é, consignou-se a formação de um professor para a docência das duas matérias. Atendendo ao conteúdo científico destas disciplinas e ao estatuto alcançado pelo seu desenvolvimento nas últimas décadas, parece-me pouco auspicioso este “casamento”. No início da Primeira República, a História estava associada à Geografia, na licenciatura de Ciências Históricas e Geográficas. Em 1926, surgiu o curso de Ciências Histórico-Filosóficas, que terminou nos finais dos anos cinquenta do século XX. A reforma de 1957 autonomizou os cursos de História e de Filosofia. Juntar novamente a História e a Geografia numa habilitação profissional parece-me, por conseguinte, um enorme retrocesso.

 

 

2. Outra aberração é o professor do 1.º e do 2.º ciclos do ensino básico. Um professor que será formado para leccionar todas as áreas do 1.º ciclo do ensino básico e ainda Língua Portuguesa, Matemática, História e Geografia de Portugal e Ciências da Natureza do 2.º ciclo do ensino básico. Pretende-se, assim, a médio prazo, uma quase monodocência do 2.º ciclo do ensino básico, o que não considero vantajoso, apesar do “trauma” da transição de ciclos (da monodocência do 1.º para a polidocência do seguinte, se bem que, no 2.º ciclo, nem sempre se verifique um professor por disciplina). Parece que o Ministério da Educação pretende desenterrar as quintas e sextas classes que existiam antes do 25 de Abril, onde o professor (então, do ensino primário) se encarregava de todas as disciplinas, excepto da língua estrangeira.

 

 

3. Finalmente, o mesmo decreto-lei institui, para além das habilitações profissionais de educador de infância e de professor do 1.º ciclo do ensino básico, um profissional com habilitação simultânea para todas as áreas da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico. É o educador de infância e, também, professor do 1.º ciclo do ensino básico. Este profissional tanto estará apto para trabalhar no berçário ou no jardim-de-infância como para proporcionar a aprendizagem a crianças de 5-10 anos. Tenho algumas reservas quanto a este perfil, porque a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do ensino básico são, na verdade, realidades bem distintas, implicando, naturalmente, vocação e formação diversas.

Diário de Notícias, Funchal, 4 de Março de 2007

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Por meados de Janeiro, veio a lume Os náufragos do Mar da Palha, o novo romance de João Medina, editado por Livros Horizonte. 

Não sendo este o espaço ideal para uma recensão crítica, afigura-se-me, todavia, que o discurso de Tito, a personagem central deste romance e, por vezes, uma espécie de alter ego do autor, interessa à formação da opinião pública, sobretudo pela visão sarcástica e arrasadora que manifesta a respeito de Portugal e da sua História.

O cenário resume-se ao café-restaurante “Mar da Palha”, situado na esquina do Beco dos Contrabandistas com a Praça da Armada, no Bairro de Alcântara, em Lisboa, no qual se reúne, todos os sábados de manhã, um grupo de amigos e ex-alunos de Tito, antigo professor de Filosofia no Liceu Pedro Nunes, para uma cavaqueira, inevitavelmente rematada com uma almoçarada. 

Anarconiilista, natural de Moçambique, crítico implacável da “portugalidade degenerada e balofa”, “iconocolasta irreverente”, Tito, o “náufrago central” do romance, pontificava naquela tertúlia, ou melhor, naquele grupo, pois era ele quem fazia longos sermões, limitando-se os demais a ouvi-lo e, de vez em quando, a interpelá-lo com uma outra pergunta sem qualquer intenção de confronto.

O autor-narrador afirma reproduzir “páginas copiadas do real, a transcrição fiel dos sermões, invectivas, anexins, cóleras e paradoxos” daqueles encontros sabáticos no “Mar da Palha”. E, assim, o romance vive sobretudo dos longos e cáusticos monólogos de Tito, embora outras personagens e diferentes episódios venham a compor o enredo, inclusive as vivências amorosas e sexuais da personagem central, descritas com fino erotismo.

Tito, nas suas extensas dissertações, não se cinge a um determinado tema. As suas palavras jorram em catadupa irónica, espalhando-se de pronto em diversas direcções ao ritmo das guinadas imprevisíveis de arrebatada oratória, quer fale jocosamente do passado histórico, quer descreva com pessimismo mordaz a situação presente de Portugal, não poupando mesmo alguns políticos ainda vivos e no exercício dos seus mandatos, como o “patusco Ubu madeirense” que costuma chamar “rectângulo” ao Continente Português. Pelo meio, abundam variadas referências históricas, literárias, filosóficas, artísticas e musicais a atestar a vasta erudição desta personagem. E o autor-narrador, inúmeras vezes, antecipa ou corrobora as ferroadas corrosivas daquele “estrangeirado” no país de náufragos, agora em “Naufrágio Definitivo”.

No seu último sermão, antes de o “Mar da Palha” encerrar, Tito compara Portugal a “uma espécie de triângulo das Bermudas onde tudo desaparece e se dissolve, onde todos naufragam, nesta longa história trágico-marítima que é a crónica dos feitos lusitanos, desde o Afonso Henriques aos nossos dias” (p. 309). E após enunciar numerosas “imagens de marca” de Portugal, tema que João Medina em obra recente também tratou – Portuguesismo(s), Lisboa, 2006 –, ergue a interrogação vital, demoradamente construída com massa retórica: Portugal acabou?

Esta é de facto a tese do romance, requintadamente servida na baixela do naufrágio. E tal como já prenunciara no quarto capítulo, ao apelar para que os portugueses viajassem verticalmente para dentro de si próprios, “numa faina inédita de introspecção” (p. 48), Tito retoma, no final, esse desígnio, quanto a si, necessário e urgente, de vontade de novas aventuras, “feitas na vertical, para dentro de nós mesmos, e não mais para o largo, para além deste finisterra onde o sonho acaba e o naufrágio começa” (pp. 310-311).

Romance de tese – Os náufragos do Mar da Palha –, constitui insólito contributo para a compreensão da nossa identidade cultural e uma reflexão impiedosa e irreverente sobre a História de Portugal e o destino do nosso país, quando se constata “a horrível, persistente e esterilizadora ausência de verdadeiras e competentes elites políticas, culturais, profissionais, técnicas e científicas” e a “nulidade dos dirigentes que nos mais diversos domínios produzimos” (p. 19).

Diário de Notícias, Funchal, 4 de Fevereiro de 2007

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O Senhor Presidente da República, na sua mensagem de Ano Novo, reconheceu que os portugueses reclamavam acções concretas dos governantes e mostrou-se solidário com “essa exigência de resultados”. Afirmou, depois, ser importante o registo de progressos claros em três grandes domínios da vida colectiva do nosso país: desenvolvimento económico, educação e justiça.

 

No que à Educação diz respeito, o Presidente deseja que 2007 “fique marcado por melhorias visíveis no funcionamento do nosso sistema de ensino”. A qualidade no ensino, o estímulo à excelência e o combate sem tréguas ao insucesso e abandono escolares têm também, em seu entender, que apresentar “sinais positivos já em 2007”.

 

É certo que o Presidente não exigiu resultados na Educação logo em 2007. Preferiu antes falar em “progressos claros”, “melhorias visíveis” ou “sinais positivos”. Aliás, muito cautelosamente, apenas referiu a exigência de resultados, quando, num contexto geral, invocou a vontade ou a insatisfação dos portugueses.

 

Como professor e político experiente, Cavaco Silva sabe muito bem que não há milagres em Educação. E que os resultados, neste sector, não são imediatos.

 

É verdade também que medidas diversas, ao longo destes últimos anos, têm sido implantadas em nome da qualidade no ensino, do estímulo à excelência e do combate ao insucesso e abandono escolares. Todavia, os resultados não surgem na escala desejada, seja pela incompletude das determinações governamentais, pelo precoce desaparecimento das mesmas em favor de outras com iguais ou piores contra-indicações ou por resistências diversas do sistema. Daí talvez a preferência do Presidente pela expressão “sinais positivos”.

 

Mas que significado terá tão subtil enunciação? Se os tais “sinais positivos” se referem a novas decisões políticas, serão apenas da cúpula. No entanto, o que todos esperamos é que o outro lado reaja afirmativamente. E esta reacção, a acontecer, virá, por certo, a longo prazo. Em Educação, há sempre que pensar num tempo mais longo e investir com seriedade nesses objectivos. A própria ministra da Educação acredita em progressos, mas não no ano em curso, salientando que o Governo trabalha para melhorar os resultados escolares desde 2005.

 

Naturalmente, só excessivo optimismo poderia levar alguém a acreditar que tudo o que o Presidente elegeu, para receber sinal positivo, vá melhorar neste ano.

 

Igualmente, de salientar nesta mensagem é a pretendida mobilização de professores, pais e alunos nas “políticas activas para valorizar a escola e estimular os jovens a prosseguir os seus estudos”.

 

Num tempo em que se assiste a frequentes depreciações públicas da classe docente por quem, institucionalmente, deveria contribuir para prestigiar esta profissão e legitimar a autoridade dos professores, quando se quebram expectativas de legítima promoção na carreira com critérios puramente economicistas, ainda que seja extremamente louvável a prevalência do mérito em vez do tempo de serviço, quando são colocados em rivalidade diferentes intervenientes no processo educativo, quando tudo está em ebulição, porque a tudo se quer pegar fogo, como se fará a mobilização ambicionada pelo Senhor Presidente da República?

 

Mais: quando pais saem à rua para apoiar alunos, que não querem aulas de substituição e preferem gozar os “feriados” a seu bel-prazer, mesmo com eventuais comportamentos de risco, como se fará a dita mobilização em favor da valorização da Escola? Quando pais ou encarregados de educação protestam porque a Escola pretende promover hábitos de disciplina e de trabalho, como pode a sociedade contar com esses cidadãos para melhorar a Educação no nosso país?

 

É certo que a mensagem presidencial de Ano Novo não poderá deixar de conter laivos de esperança, mas, no que concerne à Educação, apesar de abordar, ao de leve, questões cruciais, revela, no mínimo, estranha visão desfocada sobre o país real, parecendo-me o pedido de “sinais positivos já em 2007” um artifício retórico de uso corrente.

 

Diário de Notícias, Funchal, 7 de Janeiro de 2007

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Mini-vocabulário

Ainda que não disponha da necessária comprovação científica, estou convencido de que, entre nós, a causa principal do insucesso escolar reside na falta de conhecimentos da língua portuguesa. Constata-se que muitos alunos universitários apresentam sérias dificuldades na compreensão de mensagens escritas ou orais. Uma questão de iliteracia, dirão os especialistas em educação, nitidamente influenciados pela nomenclatura anglo-saxónica. Há uns trinta e cinco anos, falava-se em analfabetismo funcional.

 

Independentemente da terminologia, está demonstrado que o índice de literacia dos portugueses é muito baixo. Em consonância com esta realidade, é chocante o desconhecimento, por parte dos nossos estudantes, do significado de palavras do vocabulário corrente num meio universitário, como, por exemplo, cisão, analogia, ilação, setentrional ou eclosão.

 

Não se julgue, precipitadamente, que são casos raros. Comprova-se o desconhecimento de um destes vocábulos em toda uma turma de trinta jovens. Na verdade, pode o professor esforçar-se por utilizar linguagem acessível, mas sempre surgem alunos que não compreendem o que ele fala.  É, nestes casos, seu dever atender a essas lacunas na formação académica.

 

Há quem não se aperceba desta situação ou dela não queira ter consciência. Basta, para isso, deixar fluir o discurso e nunca interpelar os alunos sobre o assunto que está a ser tratado. Esta atitude pode, eventualmente, tornar o professor mais “feliz”, mas não deixa de constituir uma forma de alienação.

 

Há também quem prefira não falar desta realidade, como se tivéssemos um sistema de ensino de qualidade excepcional. E, assim, não preocupados com o essencial, dedicam-se à construção de quimeras pedagógicas ou deliciam-se na construção de pretensas ou prodigiosas inovações, como a famigerada nova Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, que, imprudentemente, se pretende implantar no próximo ano.

 

É certo que nos devemos esforçar por falar de maneira clara, inteligível, para que a comunicação seja viável. Mas não se me afigura vantajoso o uso de coloquialismo rasteiro, jargão ou gíria escolar, que, sem dúvida, contribuirão para acentuar o já baixo nível de linguagem dos nossos alunos.

 

Seria útil podermos quantificar o léxico dos jovens madeirenses que terminam o 12.º ano. Em média, quantos vocábulos conhecem ou utilizam? Qual o número desejável? Convinha depois avaliar os resultados alcançados.

 

Enquanto não se faz esse estudo, importa não descurar o crucial problema da comunicação. Compreender o que se lê e o que alguém diz é fundamental para qualquer tipo de aprendizagem, sendo esta premissa sempre válida para inúmeras estratégias didácticas ou pedagógicas. O mini-vocabulário que por aí alastra ruidosamente, qual espécie de dicionário da loja dos trezentos, em nada ajuda os estudantes madeirenses.

 

Sendo assim, mostra-se extremamente oportuna a implantação de programas para o desenvolvimento da leitura e, em particular, de competências na área da Língua Portuguesa, não somente da responsabilidade das instituições do Estado nas áreas da Educação e da Cultura, mas também de outras esferas públicas e da sociedade civil.

 

Decorre na RAM, por iniciativa da SRE, o Programa de Apoio e Didactização do Português, com diversos subprojectos, bastante vocacionado para a formação de professores. A nível de Portugal Continental, o Plano Nacional de Leitura mobiliza 152 bibliotecas da rede pública (Outubro 2006), com muitas e diversas acções de promoção da leitura. É, igualmente, de reconhecer, no contexto da Educação, a actividade valiosa de muitas bibliotecas escolares da Região, pela forma sistemática como trabalham a leitura.

 

Contudo, os resultados, neste domínio, não surgem de imediato. Há, pois, que evitar desistências prematuras e dar continuidade a estas iniciativas, reavaliá-las frequentemente e renovar amiúde as respectivas actividades, sempre tendo em conta o público-alvo. Na Finlândia, por exemplo, um conhecido programa de promoção da leitura decorre há mais de vinte anos, com indesmentível sucesso. A persistência é, pois, fundamental nestes programas de combate ao insucesso escolar.

 

Diário de Notícias, Funchal, 3 de Dezembro de 2006

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Por iniciativa da Assembleia da República, e para comemorar os vinte anos da Lei de Bases do Sistema Educativo, está a decorrer um debate nacional que pretende reunir contributos diversos para uma reflexão sobre «Como vamos melhorar a educação nos próximos anos?».

 

Debates desta natureza têm, ultimamente, abundado, sob diversas roupagens. A projecção das Ciências da Educação, no espaço português, também é reconhecida. Contudo, o desafio, corporizado na questão em debate, transita de ano para ano, sem que se notem melhorias substanciais no desempenho dos jovens portugueses. Portugal continua, assim, a apresentar taxas elevadíssimas de insucesso escolar.

 

A recente divulgação da lista ordenada das escolas secundárias, de acordo com os resultados obtidos pelos seus alunos nos exames do 12.º ano, critério, sem dúvida, muito insuficiente para uma avaliação correcta do nosso sistema educativo, tem, pelo menos, o mérito de publicamente suscitar a reflexão sobre a qualidade do ensino da maioria das escolas secundárias portuguesas e, como é óbvio, do trabalho dos seus alunos.

 

O Ministério da Educação empenha-se, de momento, na redacção final de um novo Estatuto da Carreira Docente, considerando que este novo diploma vai mudar o perfil das escolas públicas e, logicamente, contribuir para um maior sucesso do nosso sistema de ensino. Entretanto, avançam outras medidas, como, por exemplo, a avaliação das escolas, aumento de competências dos estabelecimentos de ensino, o plano de acção para a Matemática ou o Plano Nacional de Leitura.

 

Igualmente, vai entrar em vigor a Nova Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, instituída, a título de experiência pedagógica por três anos lectivos, pela Portaria n.º 1488/2004, de 24 de Dezembro. Depois da «Gramática Generativa» de ruim memória, pela confusão que originou no uso da nomenclatura gramatical e pelo muito que contribuiu para a deficiente aprendizagem da língua portuguesa, agora, em vez da indispensável e reclamada uniformização, surge complexa terminologia linguística que irá baralhar professores e alunos.

 

Ao lado de medidas polémicas, algumas, na sua essência, válidas e necessárias, têm surgido sempre aberrações a afundar ainda mais a Escola. Donde, também é legítimo sublinhar que quem nos governou e governa deve também assumir as suas responsabilidades no insucesso escolar. Este, na verdade, não pode apenas ser imputado aos alunos, professores, condições materiais das escolas e às carências socioeconómicas de muitas famílias portuguesas.

 

Sucessivas reformas, ao gosto e sabor das equipas ministeriais, sem tempo probatório e correcta avaliação, contribuíram também para chegarmos a este lugar na cauda da Europa. E, se não tivesse prevalecido o bom senso de muitos profissionais, o fracasso seria ainda maior.

 

Na Madeira, apenas a Escola Básica e Secundária do Porto do Moniz apresentou nota positiva na famigerada lista ordenada das médias dos exames do 12.º ano. A interpretação dos resultados negativos das escolas da RAM não deve contemplar, por certo, especificidades regionais. O panorama nacional não permite conclusões dessa natureza. Só evidente falta de rigor pode conduzir a uma análise distorcida desta realidade.

 

Todavia, estes resultados, ao nível do 12.º ano, implicam, entre outras análises e projectos, uma avaliação séria da situação da escolaridade anterior.

 

Quem é professor sabe muito bem quanto tempo das suas aulas utiliza para colmatar falhas de anos precedentes, ao nível de conhecimentos fundamentais para prosseguimento da aprendizagem.

 

Neste sentido, parece-me que a Secretaria Regional de Educação tem motivos suficientes para, removidas somenos questões de natureza legal já assinaladas, implantar, a curto prazo, a avaliação sumativa externa do 6.º ano de escolaridade, que concebeu em Dezembro de 2005, através de provas regionais nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, caso o Ministério da Educação não o venha a fazer. Esta ressalva justifica-se, porque a actual ministra anunciou idêntica intenção para o espaço nacional. De resto, também já o ex-ministro David Justino quis introduzir exames nacionais no final do 2.º ciclo.

 

Diário de Notícias, Funchal, 5 de Novembro de 2006

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O estrondo republicano

O derrube da monarquia, a 5 de Outubro de 1910, não foi acontecimento inesperado, nem tão-pouco suscitou apreensão geral. Pelo contrário, por todo o país, à medida que o telégrafo propagava a vitória, sucediam-se manifestações de regozijo pela queda de um regime que, nem mesmo entre os seus apaniguados, despertava crença convicta.

«Bastou o estrondo para desabar o trono.» – assim Raul Brandão registou depoimento elucidativo nas suas Memórias, associando o troar do canhão com o estouro das consciências.

Desde o Ultimato inglês que a monarquia portuguesa agonizava. Nos últimos anos, a inépcia do monarca, as prepotências do consulado de João Franco e o regicídio pressagiavam a queda dos Braganças.

A revolução, desencadeada em Lisboa nos dias 4 e 5 de Outubro de 1910, contou com a eficaz e decisiva ajuda dos Carbonários, membros de uma organização secreta com ligações à Maçonaria, criada, na última década de Oitocentos, para pôr fim à realeza em Portugal. Foram esses civis que estiveram na Rotunda ao lado de Machado Santos, nos momentos decisivos, quando já os rebeldes militares iam sendo atingidos pelo medo e o desânimo, com as notícias do suicídio de Cândido dos Reis, o chefe militar da revolução, e do assassinato de Miguel Bombarda, o chefe civil das operações revolucionárias.

A revolução republicana fez-se em trinta horas. Houve 76 mortos e 308 feridos. Entre os civis encontra-se maior número de vítimas. Para a época, e comparativamente com outras insurreições, o número de baixas não pode ser considerado elevado.

João Chagas chamou, à revolução de Outubro, «um idílio», lembrando-se de que fora prevista com roupagem sangrenta, um dies irae, nas suas próprias palavras.

Essa tranquilidade, de imediato fez irromper, por todo o país, manifestações de contentamento e de esperança com laivos sebastianistas, como se despontasse nova era de realização de antigos sonhos e utopias.

No Funchal, a 6 de Outubro, perante uma certa resistência da hierarquia militar, a Comissão Republicana tomou a iniciativa de proclamar a adesão da Madeira ao novo regime político, promovendo a posse do novo governador civil, o Dr. Manuel Augusto Martins, e hasteando a bandeira verde-rubra na fortaleza de São Lourenço, com as devidas honras militares. Aplausos entusiásticos de uma enorme multidão, guiada por uma banda de música que executava a «Portuguesa», davam às ruas do Funchal uma tonalidade festiva.

Todavia, a República haveria de herdar e cultivar muitos dos defeitos e vícios dos políticos da monarquia constitucional. Cedo se frustrou o sonho romântico acalentado pelos republicanos. O desencanto e a decepção generalizavam-se.

A 10 de Março de 1911, João Prudêncio escrevia na revista O Occidente: «O erro capital da maior parte dos governos é criar instituições complementares sem ter criado as instituições fundamentais; criar serviços que, eles próprios, se organizariam sob a acção de homens esclarecidos, sem a intervenção do Estado, dos poderes públicos…».

António Sérgio confessava em 1912, numa carta a Raul Proença: «Sem tirania governa-se e deve-se governar num país educado, constituído, organizado; mas temo bem que sem tirania não será possível meter na organização um país em que o governo, as classes dirigentes, são uma súcia de bandidos, charlatães e parasitas, como entre nós.»

Na verdade, uma leitura atenta e conscienciosa da acção dos primeiros governos republicanos, por quem viveu esses anos conturbados, não poderia perspectivar optimismo sobre o desenvolvimento do país. O descrédito da classe política atolava a República em terrenos lamacentos. A conjuntura financeira também não viabilizava grandes projectos de melhoria das condições de vida dos portugueses.

Mesmo assim, a I República proporcionou ainda a construção de importantes infra-estruturas e dedicou grande atenção à melhoria da instrução pública.

No entanto, a prometida obra de regeneração nacional ia ficando adiada, não devido à oposição monárquica, porque esta nunca conseguiu originar um movimento forte que pusesse verdadeiramente em causa as instituições republicanas.

Os germes destruidores da República encontravam-se no seu seio, como de forma esclarecida escreveu Raul Brandão: «Quem fez mal à República? Foram os actos do Governo Provisório? Nem esses, nem mesmo os do Afonso Costa, que o País tinha acabado por aceitar se o partido se mantém íntegro. Foram os de alguns políticos que, acima da República, puseram os seus interesses e as suas ambições.». E, assim, quando o 28 de Maio de 1926 pôs fim à república parlamentar implantada em 1910, o povo voltou a aplaudir. 

Diário de Notícias, Funchal, 5 de Outubro de 2006

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