Foi publicado, no passado dia 22 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 43/2007 que define as condições necessárias para obtenção de habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. Segundo Valter Lemos, secretário de Estado da Educação, o documento esteve em discussão dois ou três meses. Contudo, a FENPROF afirmou que o mesmo não foi negociado com as organizações sindicais.
No preâmbulo do diploma, refere-se que o anteprojecto foi objecto de consulta pública. Todavia, muitos interessados no assunto somente dele tomaram conhecimento por portas travessas, nas vésperas da sua aprovação em Conselho de Ministros, pelos finais de Dezembro do ano transacto.
A matéria, em causa, é de grande importância, e a aplicação deste diploma legal terá, em particular, implicações profundas na formação profissional de professores, bem como no sistema educativo, em geral.
É certo que as mudanças operadas na sociedade portuguesa e as alterações no ensino superior, no contexto do Processo de Bolonha, impunham nova legislação no domínio da habilitação para a docência.
O novo decreto põe fim à denominada habilitação própria, que permitia a muitos diplomados do ensino superior ingressarem na actividade docente e, depois, obterem a profissionalização. A partir de agora, passa a existir uma habilitação profissional correspondente ao grau de mestre.
No que diz respeito às Ciências da Educação, o Decreto-Lei n.º 43/2007 retira-lhes a importância que até agora detinham na formação de professores, em benefício da formação na área de docência.
Ninguém põe em causa que é fundamental, para o professor, o domínio do conteúdo científico, humanístico, tecnológico ou artístico das disciplinas da área curricular de docência. No entanto, a formação pedagógica revela-se também imprescindível na qualificação profissional.
Já Piaget afirmou em 1949: “Mas, mesmo sendo-se educador até ao mais íntimo de si próprio, é preciso conhecer não apenas os ramos que se ensinam, mas a própria criança, a que se destinam, ou o adolescente: em suma, o aluno enquanto ser vivo, que reage, se transforma e se desenvolve mentalmente, segundo leis tão complexas como as do seu organismo físico.”
Além de patentear a recusa de soluções inovadoras e alterar matérias da Lei de Bases do Sistema Educativo, que são da competência exclusiva da Assembleia da República, o presente decreto-lei introduz algumas “novidades” que merecem reflexão, como, por exemplo, as seguintes:
1. No 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário, a História e a Geografia aparecem associadas, isto é, consignou-se a formação de um professor para a docência das duas matérias. Atendendo ao conteúdo científico destas disciplinas e ao estatuto alcançado pelo seu desenvolvimento nas últimas décadas, parece-me pouco auspicioso este “casamento”. No início da Primeira República, a História estava associada à Geografia, na licenciatura de Ciências Históricas e Geográficas. Em 1926, surgiu o curso de Ciências Histórico-Filosóficas, que terminou nos finais dos anos cinquenta do século XX. A reforma de 1957 autonomizou os cursos de História e de Filosofia. Juntar novamente a História e a Geografia numa habilitação profissional parece-me, por conseguinte, um enorme retrocesso.
2. Outra aberração é o professor do 1.º e do 2.º ciclos do ensino básico. Um professor que será formado para leccionar todas as áreas do 1.º ciclo do ensino básico e ainda Língua Portuguesa, Matemática, História e Geografia de Portugal e Ciências da Natureza do 2.º ciclo do ensino básico. Pretende-se, assim, a médio prazo, uma quase monodocência do 2.º ciclo do ensino básico, o que não considero vantajoso, apesar do “trauma” da transição de ciclos (da monodocência do 1.º para a polidocência do seguinte, se bem que, no 2.º ciclo, nem sempre se verifique um professor por disciplina). Parece que o Ministério da Educação pretende desenterrar as quintas e sextas classes que existiam antes do 25 de Abril, onde o professor (então, do ensino primário) se encarregava de todas as disciplinas, excepto da língua estrangeira.
3. Finalmente, o mesmo decreto-lei institui, para além das habilitações profissionais de educador de infância e de professor do 1.º ciclo do ensino básico, um profissional com habilitação simultânea para todas as áreas da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico. É o educador de infância e, também, professor do 1.º ciclo do ensino básico. Este profissional tanto estará apto para trabalhar no berçário ou no jardim-de-infância como para proporcionar a aprendizagem a crianças de 5-10 anos. Tenho algumas reservas quanto a este perfil, porque a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do ensino básico são, na verdade, realidades bem distintas, implicando, naturalmente, vocação e formação diversas.
Diário de Notícias, Funchal, 4 de Março de 2007
Deverá estar ligado para publicar um comentário.