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Posts Tagged ‘Relógio de água’

Na Madeira, a água para rega foi, desde sempre, um bem intensamente disputado, porque imprescindível para a agricultura, quer quando esta se centrava em produtos ricos para exportação, quer quando se destinava a assegurar a subsistência.

A posse da água ou o direito sobre a sua utilização geraram numerosas contendas, por vezes, com desfechos violentos. Frequentemente, o litígio advinha da apropriação alheia da totalidade ou de parte do tempo de rega, que determinada parcela agrícola possuía ou o seu proprietário julgava deter.

Administrado com mestria e, por norma, integralmente aproveitado, o tempo de rega de cada agricultor deveria ser também cronometrado de forma exemplar.

Na ânsia de regar tudo e bem, o relógio assumiu papel fundamental na distribuição da água pelos heréus.

Quando os relógios não eram de uso vulgarizado nem habitualmente faziam parte dos adereços dos levadeiros, as comissões administrativas de algumas levadas mandaram construir, em sítios estratégicos, singelas torres, quase sempre de planta rectangular, com um relógio, para melhor gerirem a distribuição da água pelos diversos regantes.

Restam poucos exemplares deste tipo de arquitectura civil de equipamento, na Madeira dos nossos dias. Classificado há apenas um, no concelho da Ponta do Sol, com um relógio datado de 1890.

Relógio de água. Canhas, Ponta do Sol – Madeira.

Na verdade, o relógio de água da Levada do Poiso, na freguesia dos Canhas, de finais do século XIX, foi classificado pelo Governo Regional da Madeira em 1998, com a categoria de valor local (Resolução n.º 1596/98, JORAM, I, 10 Dez. 1998, p. 3), e reabilitado no ano seguinte, com a comparticipação de fundos da iniciativa comunitária Leader.

Em 16 de Janeiro deste ano, o Grupo Parlamentar do JPP apresentou, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, um projecto de resolução sobre a salvaguarda dos relógios de água da freguesia do Caniço, no qual recomendava ao Governo Regional que procedesse à sua inventariação, classificação e reabilitação.

Relógio de água. Caniço, Santa Cruz – Madeira. Foto: Élvio Sousa.

Relógio de água. Caniço, Santa Cruz – Madeira. Foto: Élvio Sousa.

Na reunião plenária da Assembleia Legislativa do passado dia 11 de Maio, procedeu-se à votação na generalidade daquele projecto de resolução, tendo o mesmo sido rejeitado com os votos contrários do PSD e do CDS.

O facto de os deputados do PSD e do CDS não se interessarem pela valorização dos relógios de água da freguesia do Caniço, por sinal, exemplares raros do património arquitectónico associado às levadas, num tempo em que a Região desenvolve um processo de candidatura das levadas a património da Humanidade junto da UNESCO, revela bem as suas preocupações quanto ao Património Cultural da RAM e, em particular, do município de Santa Cruz.

Todavia, tal comportamento não deve inibir a Junta de Freguesia do Caniço e a Câmara Municipal de Santa Cruz de iniciarem o procedimento administrativo de classificação dos relógios de água, como imóveis de interesse municipal, por representarem um valor cultural de significado relevante para o concelho.

A classificação constituirá, por certo, um instrumento determinante para a reabilitação dessas modestas construções, fruto da mobilização dos heréus das respectivas levadas, e que, no passado, tanta importância tiveram na divisão e distribuição da água de rega.

 

Funchal Notícias. 24 Maio 2017

Relógios de água

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